quarta-feira, 17 de março de 2010

Campeões Caídos

São Paulo, último fim de semana.

A chegada do circo da Formula Indy à cidade, aliada à curiosidade e ao ineditismo de tal evento em solo brasileiro, temperada pela agitação em redor de um verdadeiro e vibrante ambiente de corrida, povoada ainda pela turba dos adeptos e aficionados, não menosprezando a proliferação das bandeiras coloridas de cada escuderia, como que se honrando as preferências medievais de cada um dos espectadores, inevitavelmente me trouxeram à memória os idos e saudosos tempos em que eu próprio, à imagem e semelhança daqueles que agora apreciava com curiosidade científica, era igualmente um ferveroso e fanático torcedor dos dois únicos desportos que, até à presente data, me cativaram, me arrancaram suspiros e imprecações, me fielmente colando ao ecrã da televisão, quando impossível a deslocação física, ansiando e regularmente consultando o calendário, prazeirosamente controlando assim a eminência dos próximos  duelos entre os gladiadores da minha preferência, mestres da suprema arte de dirigir, invejavelmente abençoados por uma forma divina de rigoroso controle sobre as suas sedutoras máquinas:
A F1 e o WRC.

Mais do que o futebol ou outros desportos verdadeiramente de equipa, aquelas duas competições, prendem-se mais com a figura individualizada do Homem, do jogador e piloto, iceberg visível de indústrias milionárias, em cujas fileiras ingressam centenas de profissionais absoluta e rigorosamente qualificados. Contudo, o que perpassa e interessa à legião de devotos, é a visibilidade do tudo por tudo de um ser no exercício solicitário da sua arte, brindando-nos com uma simbiose perfeita e egoista entre o indivíduo e o bólide por si comandado, que, a uma mera ordem, faz despertar nas entranhas da máquina, a força e brio de centenas de cavalos da mais fina estirpe, criados e acarinhados pela mais avançada engenharia moderna. 
A coragem e valentia inerentes à carreira de um piloto, estão indissociavelmente ligadas ao exercício de tal ofício, pelo que a audácia e os sentidos limados ao longo do fio de uma imperdoável navalha, facilmente aumentam a admiração dos espectadores e amantes do automobilismo por essas figuras ousadas e mortais, de cujo universo restrito, de quando em quando, surgem e se destacam aqueles com assento permanente no cobiçado clube dos campeões, consequência dos seus incontáveis feitos e hábil dedicação a uma ardente paixão, dançarinos voluntários numa imponderável coreografia com o destino e com a proximidade latente da morte.
Claro que nem todos os profissionais de tais circos canalizadores de emoções, poderão cair sob a alçada de tão benemérita descrição. Tal grau de dedicação, com ingresso garantido no panteão da imortalidade, apenas está reservado a muitos poucos, aos eleitos que homericamente se destacaram ao longo dos anais da competição automobilística, tanto pelo seu carisma, como pelos seus feitos, feitos estes, carimbados por uma verdadeira genialidade, de mãos dadas com uma magnetizante excepcionalidade.

Ao longo do caminho da minha vida, apenas admirei e me confessei adepto incondicional de um único ídolo desportivo, uma personagem controversa, ora amada, quanto odiada em igual medida, tido, de forma incontornavelmente polémica, como tendo sido o maior piloto de todos os tempos:
O saudoso Ayrton Senna da Silva.


Essa figura lendária, assistiu impotente ao brutal ceifar de sua vida, traído por uma falha mecânica da máquina cujo assento havia durante tanto tempo cobiçado. Morreu dando asas à sua paixão, exercitando-a, fruindo da liberdade do seu perene abraço à ocupação que abertamente amava. O seu lema era competir para ganhar, procurando sempre se afirmar como o melhor de entre os melhores, ciente que muitas mais conquistas poderia vir a alcançar, no decurso daquela que se idealizava como uma longa, próspera e ainda mais auspiciosa carreira.

Muito poderia eu dizer sobre esse imortal campeão, mas careço da desejável arte para devidamente exprimir a minha admiração por esse gigante da cena automobilística, fiel a si próprio e às suas mais íntimas crenças, incansável e carismático samurai das pistas, figura placidamente distante e serena no paddock, em claro contraste com as erupções aparentemente paradoxais de garra e de ferocidade com que varria os circuitos. Este meu aludido defeito, felizmente, é colmatado por tantas das obras escritas após a sua morte, que proliferam ainda nas livrarias, sendo que muitas delas foram redigidas por pessoas próximas a si, rendendo-lhe nalguns casos, belas e sentidas homenagens, pautadas pelo evidente sentimento de perda e por um orgulhoso e indisfarçado fascínio.

Para quem o tinha como piloto de eleição e assistia de forma pontualmente religiosa aos calendarizados fins de semana de corrida, procurando festejar com gaúdio as suas incontáveis façanhas, o seu desaparecimento, acarretou um sentimento de privação e de desilusão para com um desporto que se via repentinamente tolhido pela ausência de uma das suas figuras mais carismáticas, sendo que tal nuvem negra de desalento, atenta a mediocridade reinante e fastidiosa dos últimos anos, ainda hoje paira sobre tal emblemática competição.

De forma muito redutora, citarei apenas as suas duas frases mais célebres, incansavelmente repetidas ao longo da última década e meia, a título de derradeira homenagem e epitáfio definitivo:

"Correr, competir, eu levo isso no meu sangue. É parte de mim. É parte de minha vida."

"Somos feitos de emoções, basicamente todos nós estamos procurando por emoções, é apenas uma questão de encontrarmos a maneira com que devemos vivenciá-las."

Repousará certamente Ayrton Senna da Silva, na companhia privilegiada de outros pilotos cuja apresentação se me afigura desnecessária, do calibre do fleumático Jim Clark, do extravagante James Hunt ou do desmesuradamente agressivo Gilles Villeneveuve.

Como acredito que por vezes, algumas imagens valem ainda por mil palavras, seguem alguns videos celebrativos da arte desses campeões precocemente caídos.




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